Os curiosos mecanismos e artifícios da Arte moderna permitiram o ressurgimento da figura do polígrafo – o artista/cientista que tenta dominar diversas matérias do Espírito e da Forma disponíveis nos territórios já conhecidos e inexplorados das conexões entre a Cultura e a Natureza. Em geral, tal figura costuma ser representada por nomes como os de Leonardo Da Vinci, Athanasius Kircher ou Emanuel Swedenborg. A visão poligráfica do universo exige um deslocamento singular do problema concreto (em geral, de natureza tecnológica) para camadas mais abstratas da Cultura, que envolvem a linguagem e a cognição: tal deslocamento faz da obra de um polígrafo um sobrevoo complexo que assinala limites e possibilidades da linguagem, mesmo quando a "teorização" (pois a criação em múltiplas áreas do conhecimento conduz necessariamente a um esforço de contínua teorização e justificativa) se mostra absurda, ultrapassada ou inválida. Parte do espírito do Renascimento, o polígrafo reaparece no século XX em figuras como o italiano Luigi Russolo, o russo Velimir Khlébnikov, o argentino Xul Solar ou o professor, editor, gráfico, filantropo, filólogo português Paulo de Cantos (1872-1979). Contemporâneo de modernistas como Fernando Pessoa, Cantos construiu uma obra baseada na divulgação imaginativa da Ciência em livros como Astrarium (1940) ou O Homem Máquina (1930-36). Mas, em Cantos, a imaginação sempre ultrapassa o ímpeto sistemático da divulgação dos atrozes ou benéficos desdobramentos da Ciência e da História, na construção de imagens tipográficas e de novos fluxos textuais a partir de textos edificantes de cientistas e filósofos.
A obra "cantiana", como costuma ser chamada por seus novos pesquisadores, invisível e ignorada por bom tempo, começa a ser descoberta agora por jovens designers portugueses, encantados pelo uso criativo de elementos tipográficos e editoriais nos estranhos livros editados por Cantos. Contudo, a concepção original e poética dos fluxos de linguagem do autor ainda aguardam análise sistemática. Abaixo, imagens dos livros Astrarium e Adagios/Maxims (1946), retiradas de artigos nos sites Montag e The Ressabiator. Um interessante vídeo produzido e publicado pela revista Público, abordando as iniciativas de redescoberta de Paulo de Cantos, pode ser visto neste link.
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Alcebiades DinizArcana Bibliotheca Arquivos
January 2021
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