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Livros impossíveis (sobre Astronautilia) - Parte 2

7/12/2017

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 Alguns livros possuem um impacto todo especial em sua existência mesma, seu *ser no mundo*; por não possuírem uma apresentação padronizada, uma estrutura exterior convencional, tornam-se objetos de fascínio antes mesmo de serem abertos. Alguns apresentam uma capa estranha, chocante ou extraordinária, estando nessa imagem externa sua fonte de magnetismo mais evidente e concreta. Assim, a tradução para o francês do romance de J. G. Ballard The Atrocity Exhibition (1970), feita por François Rivière e publicada em 1976 pela Editions Champ Libre, com o título La Foire aux Atrocités, pela coleção Chute Libre (queda-livre) – apresenta uma dessas capas extraordinariamente marcantes. Trata-se de uma espécie de retrato, em forma de ilustração cuja autoria é desconhecida, na qual temos um rosto (feminino, provavelmente) obliterado por venda e mordaça. As cores da imagem (o vermelho vão fundo, o verde, o marrom claro da pele, o negro que cria certo contraste) são poderosamente evocativas, embora a imagem em si tenha pouco a ver com o conteúdo do livro. Outra forma, mais complexa, de um livro expressar sua potência em si mesmo é pelo seu volume, a maneira como sua estrutura externa se apresenta ao leitor – nesse sentido, as recentes coletâneas Booklore e The Whore is This Temple são imponentes de forma peculiar. A primeira ao evocar a multiplicidade de uma biblioteca por seu conflito entre formato e conteúdo; a segunda, por ser uma espécie de objeto impossível, um tipo de grimório contemporâneo embora seja, de fato, uma coletânea de criações poéticas e narrativas.

Astronautilia está próximo dessas duas tendências, mas de uma forma muito própria, pois seu impacto acontece em ondas sucessivas, que jogam o leitor de um sobressalto aparentemente superado a outro., culminando em um impacto final muito próprio e decisivo. Em sua sobrecapa, de um forte tom azul, temos uma ilustração sugestiva de Václav Pazourek como a primeira imagem que confrontamos, a capa de fato: trata-se de um retrato, de perfil, bastante colorido (o estilo sugere um expressionismo vagamente primitivista) do que aparenta ser um guerreiro do passado, provavelmente um hoplita da Grécia Antiga. É possível identificar na imagem o escudo, o elmo, a lança que esse soldado ostenta. Mas a ilustração, ao mesmo tempo, escapa dessa determinação por um traço de futurismo tecnológico que a atravessa – o espaço branco entre o rosto e o fundo da imagem sugerem um capacete de astronauta, adaptado para uso no espaço sideral; os elaborados arabescos no elmo sugerem uma civilização e uma história que não são inteiramente humanas; o olho do hoplita, por fim, repuxado e multiplicado (seriam lentes? Ou um olho alienígena, de fato?) por efeito do traço empregado pelo ilustrador garante a persistência do efeito de estranheza. Essa imagem extraordinária serve de cobertura para a capa dura da edição, bem mais sóbria – azul escuro suavemente marmorizado, com a parte em grego do título gravada em tons prateados enquanto a parte tcheca está em baixo relevo –, que remete a coleções como as traduções de obras da Antiguidade publicadas por editoras como a Éditions Les Belles Lettres. 

Mas esse impacto provocado pela rica imagem da sobrecapa, pela solidez da capa e mesmo pelo volume desse livro razoavelmente denso constituem o primeiro momento, a preparação para o impacto ainda maior com aquilo que poderíamos denominar a descoberta linguística de seu conteúdo. Pois, logo nas primeiras páginas, o leitor está diante de uma confusio linguarum de proporções consideráveis: há textos em inglês, latim, tcheco – mas tudo isso é apenas a porta de entrada para o poema, milhares de hexâmetros em glorioso grego homérico escritos à mão.
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